28 de ago. de 2006


SEPARAÇÃO


Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta sentiu que nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é história do mundo. Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo, como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo possível entre eles.

Viu-a assim por um lapso, em sua beleza morena, real mas já se distanciando na penumbra ambiente que era para ele como a luz da memória. Quis emprestar tom natural ao olhar que lhe dava, mas em vão, pois sentia todo o seu ser evaporar-se em direção a ela. Mais tarde lembrar-se-ia não recordar nenhuma cor naquele instante de separação, apesar da lâmpada rosa que sabia estar acesa. Lembrar-se-iá haver-se dito que a ausência de cores é completa em todos os instantes de separação.

Seus olhares fulguraram por um instante um contra o outro, depois se acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido; sem se poder mover do lugar, sentindo o pranto formar-se muito longe em seu intimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.

Fechou os olhos, tentando adiantar-se á agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos de suas vidas, não lhe dava forças para desprender-se dela. Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, quer o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele abençoava com seus beijos e agasalhara no instante de amor de seus corpos. Tentou imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias por ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...

“Vinícius de Moraes”

24 de ago. de 2006

"tu me disseste: eu te amo.
eu te disse: espera.
eu ia dizer: leva-me contigo.
tu me disseste: vai embora"
(do filme jules e jim/ diretor: françois truffaut)
indicação do filme: Tiago Valdivieso

16 de ago. de 2006

conversa entre a Amélie Poulain e o Raymond Dufayel, o "Homem de Vidro"
- Prefere imaginar uma relação com alguém ausente a criar laços com os que estão presente?
- Talvez ela tente arrumar a bagunça da vida dos outros.
- E ela? Quem vai pôr ordem na bagunça da vida dela?

14 de ago. de 2006



Valsinha

Um dia, ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar. Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar. E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar. E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar. E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar. Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar. Depois os dois deram-se os braços com há muito tempo não se usava dar. E cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se abraçar. E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou. E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou. E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais. Que o mundo compreendeu. E o dia amanheceu. Em paz



Composição: Chico Buarque/ Vinicius de Moraes

Todo Sentimento

Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente
Preciso conduzir
Um tempo de te amar
Te amando devagar e urgentemente
Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez
Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente
Prefiro então partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente
Depois de te perder
Te encontro com certeza
Talvez num tempo da delicadeza
Onde não diremos nada
Nada aconteceu
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.

Chico Buarque

10 de ago. de 2006

Ás vezes, pequenos grandes terremotos ocorrem do lado esquerdo do meu peito. Fora, não se dão conta os desatentos.Os mais íntimos já me viram remexendo escombros. Em mim há algo imóvel e soterrado em permanente assombro. (Affonso Romano de Sant'Anna)

2 de ago. de 2006


SER VERDADE

(autoria:Angélica Maria)

Eu sou mulher no corpo de menina
Sou menina na essência da mulher
Sou sol quando cai a noite
Sou luar quando me apaixono
Quando estou feliz, sou mar
Sou cachoeira quando estou triste
Sou serenidade, molhada de chuva
Sou escuridão quando sinto medo
Quando choro, sou espelho da alma
Sorrindo, sou apenas eu
Sou ruim e, sendo assim, sou boa
Sou um tsunami de sentimentos
Quando decido é o fim
Teimosia pura
De uma mulher sempre em busca...


Poesia da guerreira e doce amiga Angélica