12 de out. de 2008

HISTÓRIAS DO MEU PAI Nº 04

MEU AMIGO PROPÍCIO, “O HOMEM NU’’

Propício era o único amigo que eu tinha. Ele morava em uma casa em frente ao barracão, onde fica a nossa casa. Meu amigo não “batia bem de rosqueio”, como se diz para um cara meio loquinho. Era apaixonado pela minha irmão Vilma. Quando ela aparecia na janela da cozinha onde ela ficava do meio dia até as duas horas – lavando, enxugando e guardando louça, o Propício só queria saber de brincar ali na frente. Ele me dizia: “Será que ela quer casa comigo?” Nós tínhamos nove anos. Vê se o cara era certo?

Um dia ele me convidou para andar de avião, um que ele tinha construído. Era um tronco de árvore e uma tábua presa em cima do tronco, em forma de cruz, que seriam as asas. Ele mandou eu subir no avião para que pudesse “dar a partida”. Sentei no tronco e ele imediatamente: “ Se segura que nós vamos sobrevoar Caxias.” Fazia o barulho do avião com a boca. Então ele olha para baixo e começa a avistar as “belezas” de Caxias. “Olha lá, Luiz, a Praça Rui Barbosa! Olha o Cine Guarani! Olha o Campo da Juventude”. No começo eu só via terra e formiga em volta do nosso tronco (o nosso avião). Mas, com o passar do tempo eu comecei a ver também o que o “loquinho” dizia ver. Loucura é transmissível.

Ele tinha muitas coisas engraçadas. Uma delas era quando íamos para o centro de Caixas e ele então de repente parava na frente da gente e gritava: “Quer que eu diga um nome vem feio (um palavrão)? Aí então ele gritava, a todo pulmão: “Homem nu! Homem nú!” As pessoas que passavam olhavam espantados para aquele guri. Ele achava que “homem nu” era um palavrão muito feio. Pobrezinho, nem o próprio Pestalozi explicaria!

Um dia , quando eu já estava casado e morando em Curitiba, recebi um telefonema do Fernando lá de Caxias (ele me telefonava quase todas as semanas) me perguntando se eu tinha comprado o jornal Zero Hora. Aí ele me contou a notícia: “ Você viu a confusão que deu ontem com os funcionários tentando invadir o Palácio do Governador?” Quando eu disse que não, ele mandou eu comprar o Zero Hora para ler a entrevista com um dos tenentes, chefe da guarda do Palácio Piratini, sede do governo. “Sabe que é o tenente, o Propício!” Santa Maria! O cara tinha dez parafusos a menos e agora era chefe da guarda do palácio. Só mesmo gritando bem alto: “Homem nu! Homem nu!
autoria: Luiz Carlos Moralles Caldas - meu pai

HISTÓRIAS DO MEU PAI Nº 03



OS HÓSPEDES DA MINHA MÃE


Um dia apareceu em casa para ficar apenas “uns dias” uma senhora que eu não lembro quem era e o seu filho, um tal de Faeco. Esse guri tinha a minha idade mais ou menos e era o cara mais guloso que eu conheci. Quando a mãe vinha com o prato pronto da cozinha para servir um por um como ela tradicionalmente fazia, ele gritava: “ Para quem é este pratarrão?” A mãe respondia: “É pra ti, Faeco!”. O guloso dizia: “Mas só esta misgainha?”

Um dia deu uma caganeira nesse esfomeado que ele correu para o banheiro na hora que estávamos comendo a sobremesa – uma farta distribuição de laranjas. Não é que o tal de Faeco estava com a porta entreaberta para nos espionar, para ver o que estávamos comendo em sua ausência?! Quando ele viu, começou a gritar: “ Eu também queroooo laranja!” A mãe perdeu a paciência com ele e carregou da cozinha meio saco de laranjas e colocou bem na frente do rapazinho que continuava “sentadito” no trono. Ela fez isso para ver se ele se ofendia, mas que nada. O retardado ainda reclamou: “Mas cadê a faca?” Com faca e tudo, ficou lá cagando e comendo laranjas por umas duas horas mais ou menos. Só ouvi a mãe dizer: “ Este guri é fraco da cabeça, parece um biguá.” ( Biguá é uma ave pernalta que come peixe. Quando seu papo já está cheio, continua comendo só que os peixes entram pelo bico e saem pelo rabo na mesma hora.)


Outra senhora que também não lembro o nome foi passar “uns dias” em nossa casa e levou sua filha que tinha uns trinta anos e precisava recuperar a saúde, já que ela estava com anemia. Parece que as comadres da mãe nunca tinham ouvido falar de hospital! Era tudo lá em casa. O problema é que eu fui vítima da anemia a fulana.

Uma certa manhã fui fazer a inspeção rotineira no meu galinheiro e dei falta de um dos meus frangos de briga. Voltei para casa e entrei na cozinha para relatar o que tinha acontecido para a mãe. Foi um choque para mim. O meu frango estava dentro do panelão. Comecei a chorar e a mãe me levou par a fora e me explicou a bondade que tinha feito com o meu galinho: “Cala a boca, Luiz! Tive que matar o frango para fazer um caldinho porque a fulaninha está fraquinha.”

Imaginem o tamanho da minha raiva depois desta. Fui para cama entre lágrimas e com muita fé e respeito rezava: “O meu todo poderoso criador da terra e do céu. Dentro da sua infinita bondade, faça um favor para este seu servo que tanto lhe ama. Mate estas duas desgraçadas, ainda hoje se possível.” Mas, Deus não me ouviu.

A nossa hóspede, a mãe da fracote, dormia até as cinco da tarde, acordava e aparecia na sala com toda aquela vasta cabeleira branca, em pé parecendo uma alma de outro mundo. E dizia: “Já beberam café? Nem me esperaram.” Pobre da mãe, ainda tinha que ouvir isto. ( O tal “de quem é este pratarrão” e o “já beberam café” ficaram famosos em nossa família e anos e anos algum de nós sempre repetia.)
autoria: Luiz Carlos Moralles Caldas - meu pai