15 de abr. de 2008

Seção GLAUBER PIVA

POEIRA
Ao levantar-se, olhou para baixo e viu a barra da saia empoeirada. Lembrou-se da semana anterior quando namorou sobre o capô do carro com o primo mais novo em uma rua deserta do interior. Naquele dia, empoeirou seu passado e teve dor nas costas.

Desta vez, com a saia nas mãos, lembrou-se de esquecimentos e roupas sujas. E viu que o pó tomou conta de seus olhos e de seu caminho. Respirou fundo e pensou nos versos argentinos de Bersuit Vergabarat: Ya mis ojos son barro en la inundación/que crece, decrece, aparece y se va. Deu de ombros e seguiu.

PRIMAVERA
Biquinis negros e grandes decoravam os parques iluminados por um violento sol de primavera, contrastando dolorosamente com o branco leitoso de pernas mornas e olhares sedentos. As flores começavam a temporada e disputavam com toalhas e bundas um pedaço de grama. E o faziam com medo e dignidade. Uma delas, pequena e sem espinhos, só podia torcer contra o mundo.
Tudo ia bem e o sol começava a sentir preguiça. Presságio de tranqüilidade. Até que uma criança desavisada e com pés arrepiados, pisou-a com força para acarinhar sua vizinha e presenteá-la à mamãe com os ombros vermelhos.
Viva a primavera!