19 de set. de 2009

Quando a criança era criança



Quando a criança era criança
caminhava agitando os braços,
Queria que o riacho fosse um rio,
o rio uma torrente,
e esta poça, o mar.
Quando a criança era criança,
não sabia que era uma criança,
tudo lhe parecia ter alma,
e todas as almas eram uma só.
Quando a criança era criança,
não tinha opinião para nada,
não tinha costumes,
sentava-se com as pernas cruzadas,
corria sobre o solo,
tinha um redemoinho no cabelo,
e não saía mal nas fotografias.




Peter Handke

18 de set. de 2009

Remédio: Palavras

Palavras são sintomas....
E curam quando escritas com afinco
Elas descem da alma, arrebentam o sono
Dilaceram o ar que respiro
Soam estranhas, loucas, desvairadas
Todas emaranhadas
Cada qual vai
Sintoniza
Escreve
Cura
Vergonha alheia

De vez em quando eu falo isso, ou melhor, eu sinto isso. Pode parecer até um pouco arrogante, sentir vergonha alheia. Sentir constrangimento por algo que considero vergonhoso que o outro fez e tomo “as dores” do próprio, e eu sinto a vergonha por ele.... Mas enfim, sinto isso de vez em quando. Sabe aquela vontade de se enfiar dentro de um buraco ou mesmo se esconder debaixo do sofá por uma semana mais ou menos? Pois então, dá uma vontade louca de fazer isso, quando, por exemplo, assisto cenas constrangedoras de “gente importante” dando carteirada se prevalecendo de um cargo, status e não sei mais o quê para obter benefícios ou mesmo um lugar ao lado do "rei". Li sobre uma destas cenas hoje e me senti envergonhada de tal comportamento digamos “tão provinciano”. Provinciano... lembra o coronel da cidadezinha pequena, sabe? Que veio da mesma casinha do Seu Zezinho, mas acabou por indicação do Prefeito virando coronel e ai começou achar que tinha o rei na barriga, que era o dono do mundo. Começou a lustrar melhor as botinas para que ficassem diferentes dos “reles” moradores da província. Andava pelas ruas dizendo a todo mundo que agora “ele era amigo pessoal do prefeito”. Deste modo, era o único que tinha a honra de entrar e sair sem ser anunciado. Enfim, estas coisas que acontecem no melhor estilo provinciano.... Mas bem na verdade, acredito que o raciocínio não seja bem este....E sim, os valores que cultivamos ao longo da nossa história desenham nosso comportamento. Então, que cada um desenhe o seu, não é mesmo? Mas que as vezes da vontade de sair correndo, dá!

5 de set. de 2009

Esquadros



Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!

Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção
No que meu irmão ouve
E como uma segunda pele
Um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Ai, Eu quero chegar antes
Prá sinalizar
O estar de cada coisa
Filtrar seus graus...

Eu ando pelo mundo
Divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome
Nos meninos que têm fome...

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm
Para quê?
As crianças correm
Para onde?
Transito entre dois lados
De um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo
Me mostro
Eu canto para quem?

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle

Adriana Calcanhotto
Composição: Adriana Calcanhoto