23 de dez. de 2008


Desejo distraído

Era mulher admirada, por vezes invejada e no fundo, acabrunhada da vida.



Tinha “um que” de gente de outros tempos, o que a fazia pensar nas causas do passado que pudessem ser a explicação da vida de agora. Sorriso era algo que todos os dias, mesmo com a tristeza lhe enfiando a faca no peito, ela dava. Nem que fosse sorriso para dar bom dia aos que lhe faziam lembrar o que era sofrer. Sentou perto da janela, toda estrelada, respirou fundo e se pôs a pensar no futuro. Tantos sonhos cansados. Tantas ilusões. Por alguns minutos lembrou que havia agido sem pensar, e mais uma vez por instinto apostou errado. “- Não, de novo não. Sem continuidade, sem profundidade , só superficialidade. De novo.”


E olhando para o céu estrelado que por tantas vezes lhe deu esperança. Fazia pedidos, desde criança, para as estrelas. Quase sempre dormia contente porque era otimista e acreditava na máxima “a sua mente cria a própria vida.” Riu ao lembrar dos jogos ilusórios que sempre fez com ela. Dessa vez, relembrou passado recente e começou a contar as várias situações parecidas pelas quais havia passado.
Com lágrimas rolando pelo rosto, suspirou. Resolveu que não faria mais pedidos para as estrelas. Fechou a janela, as cortinas. Deitou na cama e desabou a chorar.


Depois de tanto choro, aquele vazio que por tanto tempo tentou esconder. Um vazio que estava escondido, mascarado pelas tantas vezes que se aprisionou dentro de si, fugindo ou ferindo. Um corpo emprestado e uma alma machucada. Este foi o balanço final da moça que naquela noite adormeceu. Nem imaginava que ao seu lado, ele sorria, porque agora tinha esperanças que o caminho havia se endireitado. Sem ilusões, sem fugas, sem desrespeito...Ela acordaria, talvez, um pouco diferente do que era. Diferente por que no outro dia, ela relembraria dos erros e caminhos perdidos. Foi assim mesmo.
Lembrou do quanto não se deu valor e esperou isto em braços perdidos. Totalmente perdidos.


Já caminhando pelas ruas perto da sua casa, sentiu um estalo como se viesse do fundo da sua história. Tanto tempo não sendo quem era. Tempo gasto “ encontrando-se” com os vazios, as fugas e tentando se perder..
O estalo veio para explicar. Que ela havia se encontrado e não se parecia nada com aqueles fantasmas todos. E na mesa da padaria, tomando café, perguntou “- Mas por que fiz tanto esforço pra fazer tudo errado. Porque mesmo não sendo eu, me esforcei pra ser. E por este motivo, repeti tudo de novo, tudo errado.?” Enquanto esperava esfriar o café, entendeu o que estava ali na ponta do seu nariz. Era muito simples e descomplicado ser a pessoa que ela era. Portanto, não demandava esforço. Mas, ela achava que a coisa devia ser complicada...E lembrou de quando, por alguns minutos, foi de verdade. Até suspirou nesse momento, como os apaixonados.



Era isso! Quando foi sua alma de verdade, sentia-se apaixonada.... E quantas maravilhas, pessoas e situações lindas, como se encomendadas pelo universo. “-Ah lá vou eu de novo com as frases esotéricas. Universo!? Talvez....talvez o universo esbarre na gente quando estamos distraídos, não preocupados com os olhos alheios e nos deparamos com os milagres da vida...”, pensou.
Lá foi ela novamente para rua caminhar....E realmente, sentia-se leve, mais leve. Não estava mais preocupada com o sim dos outros. Apenas o seu. Disse em voz alta, inclusive. Assim no meio da rua, disse sim. Era um sim para a sua alma que naquele momento se libertava.



Mas, antes de entrar no ônibus em direção ao trabalho, rezou. E como sempre fez um pedido. Dessa vez não dependia de muito esforço. Apenas um: “ Seja lá o que for esta energia que nos move, peço apenas que eu viva com amor no coração e que este amor nunca me falte. Que ele me faça rir comigo, que ele me faça sentir prazer e alegria com os meus passos dados. Que este amor seja o remédio para todas as feridas causadas pelos minhas crenças equivocadas a meu respeito. Amor o bastante para transformar minha vida em uma grande história de amor. Um amor que nunca tire meu brilho nos olhos.” Pela primeira vez ela não pediu um amor “de verdade”. Mas pediu que o universo a devolvesse . E assim foi.



Aos poucos ela foi sentindo seu poder de ser o que é. Foi sentindo-se digna, segura e feliz. Foi caminhando sem repetir os erros para provar suas fraquezas. Caminhou altiva, e tanta gente estranhou. Ela não era mais a mesma. Só ela sabia que agora sim, era ela mesma.



Acordava pronta para encher o dia de boas experiências, dormia e muitas vezes voltava a chorar. Mas não sentia mais o vazio no peito. Vez ou outra sentia-se triste, mas achava bom por que no outro dia valorizava cada sorriso dado e recebido.As situações que provocaram ilusões e erros, retornaram. E ela comemorou. Não precisou repeti-las. Muitos sumiram, pois não a tinham mais como corpo para provar suas fraquezas....Novas sintonias, um pouco de solidão, novas sintonias e eis que...assim como ela gostava de viver, distraída, destas novas sintonias, um coração esbarra com o dela. Um coração tranqüilo, bonito e sorridente...Assim, parecido com ela. E, cada um com a sua felicidade, encheram as ruas com tanto amor. Que não se dividia, apenas somava e se respeitava.


E naquela noite, em que seu corpo foi amado junto a alma, ela o viu dormindo. Levantou da cama, abriu as cortinas e a janela, olhou para a noite estrelada que parecia ter sido encomendada para momento tão importante. E, assim como uma criança arteira, piscou para uma das estrelas, e apenas disse: “- Muito obrigada!”