26 de mai. de 2007


OCUPAÇÃO DA USP E OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DO MOVIMENTO ESTUDANTIL


* Ana Carolina Caldas




Dois artigos sobre a “Ocupação da USP” me chamaram atenção nesta semana. Um escrito por uma estudante da mesma Universidade e outro por uma jornalista da Folha de São Paulo.


O artigo Os prós e os contras da ocupação na USP, assinado por Carla Santos - estudante de letras da USP, ex Presidente da UBES (2001) e membro da equipe do Vermelho (site oficial do PCdoB), é uma análise de quem já viveu “atos de rebeldia”, que conhece como é que se organiza um movimento de protesto. Por "vício" e/ou hábito de quem faz/fez parte do movimento a autora dá nome aos bois, ou melhor, diz quem é quem, ou melhor ainda, define com ressalvas quem está lá ainda resistindo (ou que resistiram) na ocupação da USP. Identifica como uma boa militante partidária quais as forças também partidárias ali comandando o movimento. Informa em seu artigo que a maioria dos estudantes ligados ao DCE (Diretório Central dos Estudantes) e aos partidos, após a aceitação pela Reitora da USP de alguns pontos da pauta de reivindicações, resolveram se retirar do movimento de ocupação.


Segundo Carla Santos, para os que ficaram “se iniciava a grande chance de começar o caminho rumo à revolução socialista no Brasil, ou pelo menos quase isso, colocando a sua vida à disposição da tropa de choque para mais tarde, quem sabe, ser um neo-Alexandre Vanucci Leme (estudante da USP assassinado na ditadura de 64).”


A impressão que tive é que neste artigo há um alerta para uma possível descaracterização do movimento estudantil consolidado pelas forças partidárias.


Já o artigo escrito pela jornalista Laura Capriglione - 25 anos depois, estudante leva a mãe para a invasão, publicado na Folha São Paulo, o tom é outro - evidencia e quase que inaugura (?) uma nova fase do Movimento Estudantil, quando afirma que a ocupação é "promovida" por estudantes que nada tem a ver com as entidades estudantis. Além disso, sinaliza que ali é “ninguém manda, todo mundo manda”, ou seja, não existe cacique, liderança. Pelo que parece e o que a explicação do "artigo militante" tenta elucidar, é isso mesmo que está acontecendo. A estudante caracteriza a atitude dos colegas também estudantes de irracional ("Se por um lado a ocupação da reitoria da USP deixou de ter um sentido racional..."), pois começou apenas como uma visita para a Reitora com o objetivo de entregar uma carta de reivindicações e agora ainda não estão claro quais são as futuras estratégias.


Carla Santos que faz o alerta sobre a irracionalidade do movimento e a falta de liderança na ocupação, mas também identifica que algo importante está acontecendo mesmo que tenha começado sem querer e sem estratégias demarcadas, foi líder secundarista e ficou famosa é claro por sua competência política e por um ato de rebeldia noticiado nacionalmente em 2001. Ficou nua em frente ao Palácio do Planalto como forma de protesto. Só com uma faixa cobrindo os seios, a "bunda-pintada" entrou no espelho d'água do Congresso, organizou os estudantes para formar a palavra CPI no gramado e discursou. Tratava-se do protesto a favor da CPI da Corrupção e contra a lei que acabou com o passe livre nos ônibus municipais.

QUE A LOUCURA SE RESTABELEÇA...


Inspirada nos protestos da vida das caras ou bundas pintadas, nesta ocupação da USP e em outros atos de rebeldia sem violência, mas para promover mudanças... é que defendo e continuarei sempre defendendo - que a irracionalidade, a paixão, o ímpeto continuem PELO AMOR DE DEUS a fazer parte do MOVIMENTO ESTUDANTIL. Que os militantes do Movimento Estudantil deixem a racionalidade para quando virarem burocratas talvez (e espero que não virem...).


Mas não o sejam agora, não queiram antecipar algo que não deveria fazer parte deste momento em que se é jovem, em que se experiencia situações para bater a cabeça errando ou acertando... Não deixem que os profissionais já consolidados desta área do Movimento Estudantil ou a crença que movimento estudantil deve funcionar como uma empresa, como um partido ou qualquer outra coisa que se assemelha a "fina flor da burrocracia" contaminem suas rebeldias, paixões e até a sua imaturidade.


Se estão lá sem saber que estariam, se não planejaram, se não sabem ainda para onde vão... continuem apenas caminhando. Apenas caminhem sabendo que querem mudar algo, que são contra os decretos do Serra e que a racionalidade está no dia a dia da ocupação, como já foi noticiado - em deixar tudo limpo, em se organizar para definir o próximo dia e continuem caminhando... e por que não.. sem pensar quem são, se do partido A ou B. Afinal são estudantes impetuosos, apaixonados, rebeldes das suas causas.


A ex líder secundarista e ex presidente da UBES informa em seu artigo que “professores, diante da irredutível permanência de algumas correntes políticas do movimento estudantil na ocupação, passaram a buscar mais diálogo com os estudantes, as assembléias passaram a ser cada vez maiores e nesta quarta (23) também aderiram à greve em apoio à ocupação.” Não sabiam onde iriam parar, mas com sua irredutibilidade engrossaram o movimento contra os decretos do Serra e a favor da qualidade de ensino. São nos momentos de loucura, do irracional que o “caldo pode engrossar” ou pode não também. Vai saber...


Sou a favor que a essência do Movimento estudantil se restabeleça. Nesta fase somos aprendizes e precisamos errar muito para ter certeza que valeu a pena. Que venham outros atos de loucura, este tipo de loucura pacífica, brincalhona, irreverente que é assim sem saber direito o que vai acontecer... que só aconteceu porque não se pensou com as amarras de quem já não sonha mais, não se raciocinou sobre os dogmas do partido A ou B, sobre isso ou aquilo. Foram pacíficos e a partir do momento que ocuparam a reitoria começaram a se organizar... assim meio com medo, meio sem saber ainda como é que se organiza.


Sê jovem agora, para continuar sendo até a eternidade

“Enfim, os questionamentos eram muitos, mas a empolgação em estar fazendo algo para mudar a situação da universidade era muito maior”, informou Carla Santos sobre o clima inicial da ocupação. Sim! Eu sou a favor da leveza, da adrenalina, da sensação revolucionária que toma conta da gente quando se é estudante e provoca mudança de estado, de espírito, de consciência e aí a coisa começa, ou seja, a gente começa a se dar conta que tem força, que tem poder. Aí sim a gente se organiza, se desorganiza e sai da Universidade. Vira adulto com espírito jovem e de vez em quando relembra disso tudo e vai lá como o Arthur Poerner se unir aos estudantes na ocupação do terreno da Une (essa é uma loucura que vem dando certo!), se inspira e desenha um projeto para o Teatro da Une como o Oscar Niemeyer, vai lá e vira Ministro dos Esportes como o Orlando Silva, vira o Franklin Martins, etc, etc. Mas antes a gente tem que ser viver e agir como estudante!


Marcelo, aluno da escola de ciências sociais da USP, citado no artigo da jornalista Laura Capriglione, disse: "A gente não sabe muito o que é ser rebelde. Só sabe que é contra o decreto do Serra. O resto estamos aprendendo". Não são os estudantes de agora que não sabem o que é ser rebelde, rebeldia se experimenta em qualquer época quando lhe é permitido dentro dessa coletividade, do movimento ou dos movimentos estudantis.


Deixem para crescer quando saírem da Universidade... Agora apenas caminhem e vão aprendendo ....Depois a gente escolhe qual é a melhor da estratégia pro futuro.


Parafraseando a música “Epitáfio”... “eu deveria ter arriscado mais, complicado menos...” Quando olho para trás e lembro que um dia, em 1996, dormi dento da Universidade também para lutar a favor da autonomia da Universidade... fico feliz por ter tido o privilégio da participação no Movimento Estudantil . Participação esta que hoje me dá serenidade e a certeza que estou na torcida certa. Torço para que os estudantes de hoje arrisquem mais....compliquem menos!


E Viva os Estudantes!


Para terminar, ou melhor, ao terminar o que aqui escrevo informo que acabei de ler a seguinte notícia publicada há poucos minutos na internet: “Um grupo de estudantes da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) ocupou nesta quinta-feira (24), pela manhã, o gabinete da reitora, Ana Dayse Dórea, no campus de Maceió. Os estudantes são contra a reforma universitária; querem que a escola técnica agrotécnica seja voltada para os interesses da agricultura familiar (e não a monocultura da cana-de-açúcar); pedem a ampliação do restaurante universitário e da residência universitária, além de uma creche gratuita nas dependências da universidade; e são contra os cursos pagos e a cobrança de quaisquer taxas acadêmicas” (Site Uol, 23/05/2007).

Ana Carolina Caldas - ex Coordenadora do DCE UFPR (96-97) - formada em Pedagogia (UFPR), Mestra em História da Educação (UFPR) e atualmente estudante de Jornalismo (PUC/PR). Atuou também na Coordenação do Setorial de Cultura do PT de Curitiba. É autora da dissertação de mestrado “CPC da UNE no Paraná (1959-1964): encontros e desencontros entre a arte, educação e política”.
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Resposta de Carla Santos à Ana:

Cara Ana

Levantas duas polêmicas que considero muito saudáveis para o nosso tempo. A primeira diz respeito a racionalidade versus irracionalidade nos movimentos. A segunda, sutilmente apresentada no seu artigo e explicitamente apresentada do artigo da jornalista da Folha de S.Paulo, diz respeito sobre se ter ideologia, ou participar de partidos e organizações históricas, é ainda importante.

Sobre a primeira polêmica, como você deve ter notado no meu artigo, tenho posição. Não sou positivista, mas também não sou da turma do ''carpe diem''. Apenas acredito que a irracionalidade está contida em inúmeros valores cultivados em nosso tempo que gostaria de alterar, como o consumismo, o individualismo, a competitividade, entre outros. Penso que a grande loucura do movimento estudantil não depende apenas de vontade individual. Acredito que a grande loucura que ainda não vivemos são os grandes movimentos, aqueles que reúnem milhões, como ''As diretas já!'' ou o ''Fora Collor''. Essa loucura só será possível, no meu entendimento, com a compreensão da idéia de coletivo, de algo que é importante para mim (ou talvez nem tão importante assim), mas que faz muita diferença para o outro. Quando adotamos a idéia de loucura individual anulamos esta compreensão, a minha loucura passa a ter mais validade do que a do outro. E é neste sentido que caracterizei alguns personagens da ocupação.

Sobre a segunda polêmica é importante notar que todos somos estudantes na USP, independente de cor, partido, opção ideológica ou sexualidade e todos vivemos as mesmas condições da universidade: falta de moradias, verbas, etc. Em um momento onde o mundo converge para o fim dos preconceitos no reconhecimento das diferenças vejo com estranheza as opiniões, tão agraciadas pela jornalista da Folha, de dividir os estudantes entre os partidários e não partidários. A questão não é esta, a questão é sobre legitimidade. Gostemos ou não, são os partidos que em geral se organizam para as eleições aos DCEs e CAs nas universidades e legitimamente são eleitos pelo voto direto a função, entre outras, de representação. As responsabilidades que pesam sobre uma organização coletiva são diferentes daquelas que pesam sobre um indivíduo. Entendo que, apesar de permanecer no apoio à ocupação, as entidades se retiraram da mesma por perceber a falta de compromisso com o coletivo da universidade em detrimento do compromisso apenas consigo mesmo. Veja, quem vai sair ganhando se a PM militar entrar na reitoria meltralhando todo mundo? Apenas os mártires, porque o conjunto da comunidade, além de não ter obtido nenhuma vitória com a ocupação, permanecerá refém dos decretos do Serra.

Sim, é verdade, a insistência na ocupação gerou bons frutos para a mobilização da comunidade, mas a falta de perspectiva a que ela chegou pode levar a mesma mobilização que ela fez surgir desabar tão rápido quanto começou. Se engana quem acredita que a entrada da polícia no campus não pode acontecer. Se engana quem acredita que a entrada da polícia no campus pode intensificar a luta contra os decretos. A possibilidade de haver uma contundente repressão que faça regredir rapidamente tudo que até agora se mobilizou é muito grande. Quando se anda sem saber aonde se vai não se chega a lugar algum.

Espero que a ocupação descubra, e já passou da hora desta descoberta, aonde ela quer chegar porque para derrubar os decretos não bastará apenas uma ocupação (com ou sem a polícia). Será necessário, mais do que nunca, mobilizar muita gente, por de fato o bloco na rua, pois em São Paulo a luta não é para pequenos, a luta é difícil e muito dura. Agora mesmo no dia 23, estavam nas ruas cerca de mil estudantes da USP. Num universo de 70 mil estudantes e cinco mil professores há de se perceber que a mobilização ainda é muito pequena.

Estas são apenas algumas observações. Acho que o debate vai longe, não é simples, mas é muito importante que pessoas como você, eu e a Laura da Folha busquemos fazê-lo.

Todo apoio à ocupação para que ela continue contribuindo pela derrubada dos decretos, mas também, todo apoio àqueles jovens organizados em partidos que acreditam em grandes idéias e movimentos para transformar o mundo.

Carla Santos
Da redação


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Artigos citados :






Artigo publicado nos sites:






8 de mai. de 2007


Regra Três

Tantas você fez que ela cansou
Porque você, rapaz
Abusou da regra três
Onde menos vale mais

Da primeira vez ela chorou
Mas resolveu ficar
É que os momentos felizes
Tinham deixado raízes no seu penar
Depois perdeu a esperança

Porque o perdão também cansa de perdoar
Tem sempre o dia em que a casa cai
Pois vai curtir seu deserto, vai.


Mas deixe a lâmpada acesa
Se algum dia a tristeza quiser entrar
E uma bebida por perto
Porque você pode estar certo que vai chorar



Vinicius de Moraes
Composição: Vinicius de Moraes / Toquinho